Entre gurus, sadhus e Jeca tatus ...

Por Cadernos de Rishikesh - Nei Silva em 13/08/2021
Entre gurus, sadhus e Jeca tatus ...

“Money!”, disse-me o velho de longas barbas que recebia as pessoas da interminável fila apontado a tigela enferrujada. Lancei umas moedas, bateu-me nas costas 3 vezes com seu cajado, e empurrou-me para fora do pequeno recinto, repetindo o procedimento no infeliz seguinte.

Teoricamente eu estava livre das mazelas que portava ao entrar.

Eu estava no templo da poderosa deusa Khali, em Har Dwar e, segundo amigos, aquelas magicas pancadas tinham poder de aliviar angústias, medos, doenças, maldições, etc.

O local, a Índia, a Babel da fé, onde os rituais, deuses, cerimônias não carecem manter coerência entre si. A saber, determinados Gurus recomendam que não se corte os cabelos, pois são estes, bocas que captam energia cósmica; outros, preconizam a careca, para mitigar a vaidade e, consequentemente, o ego; uns meditam repetindo mantras, outros em silêncio; uns falam em um deus lutador e guerreiro, outros numa energia simples e plena; uns benzem e prometem curas milagrosas, outros dizem que tudo é passageiro; uns vestem grandes turbantes, outros andam pelados; uns elegem a cor branca para as roupas, outros a cor vermelha, a cor laranja. Eu, um caipira nestas matérias, e cético de plantão, tento apenas sentir a experiência. Sem procurar concordar, discordar, entender. Apenas sentir. Nem sempre consigo. Para começar a palavra Guru em hindu significa: GU-o visível e HU-o invisivel.   Um ser que é e não é ao mesmo tempo.

Dentre os mestres que encontrei em minha jornada, destaco alguns:

 

Mooji (Guru Jamaicano)

Nesta caminhada que me meti, tive a oportunidade de conhecer gurus, sadhus, babas e afins. Assisti “satsangs”do simpático Mooji, um jamaicano que nos remete as reflexões existenciais a coisas simples e inquestionáveis como ar, água, luz. Legiões o seguem pelo mundo afora. Dele carrego as palavras: "A vida é como o rio Ganges, não dá para acelerar, não dá pode parar. boa parte da miséria humana vem do desejo de acelerar (ansiedade), ou de atrasar, represar, reter algo (apego), quando na verdade, devemos seguir o rio. A vida é um fluxo. Deixe-a fluir no seu tempo, na sua velocidade natural"

Este guru de renome internacional vive boa parte do tempo na India, onde suas palestras sao disputadas por pessoas de todo o mundo que o acompanham, pela Internet ou mesmo pessoalmente. Em Rishikesh, conheci um advogado brasileiro que passava as férias seguindo as palestras do Mooji.

 

 

Prem Baba (Guru Brasileiro)

Conheci um brasileiro iluminado que passa parte do ano na Índia e é idolatrado por seguidores do mundo inteiro. Ao contrário do jamaicano, o brazuca em seus satsangs (palestras), às vezes, trata de coisas pessoais, e responde às perguntas com prescrições de um conselheiro sentimental.

" Fique um ano sem se relacionar!", ouvi-o dizer para um infeliz que se queixava de suas relações amorosas.

As perguntas são respondidas em bom português, para depois serem traduzidas para o Inglês para uma plateia babilônica.  O efeito é fantástico!

"Cuidado para não ser pego na curva", disse displicentemente o guru brasileiro, deixando para ao tradutor gringo a tarefa de informar ao público o que isto significa. As expressões: “Vai que vai”, “se correr o bicho pega…” e outras são improvisadas pelo interprete do jeito que dá! Eu me divirto com as expressões da plateia.

Para o bem ou para o mal, todos entendem, ou entendem o que querem e adequam o entendimento do ensinamento ao seu caso particular, e como resultado, muitos lançam-se em pranto aos seus pés, tentando beijá-lo. A catarse se completa com a boa música e dança que precede e encerra suas falas.

Inteligentemente, uma turma de músicos muito bons que acompanham o mestre, adapta melodias brasileiras ao mantra. Assim, o conjunto de seu inegável carisma, com o seu rosto de um Jesus Cristo nordestino, com a boa música “brasileira’, com os corpos dançando, faz com que a multidão caia em transe a cada sessão. O lado ruim, a meu ver, é que o mestre tem a mania de deixar-lhe beijar os pés!!! Eca! Então ao final, faz-se uma fila para lamber a frieira sagrada. Brincadeiras a parte, eu passei direto!

 

 

 

Baba da Caverna (Guru das Montanhas de Himalaia)

Conheci-o através de um amigo indiano, chamado Sumit, que insistiu que eu fizesse uma longa trilha pelas montanhas do Himalaia até chegar a uma antiga caverna, de onde há mais de dois mil anos, uma linhagem de Baba vem se sucedendo e, de alguma forma orientando os crentes.

Assim, formamos um grupo de 10 pessoas e, guiados por Sumit, caminhamos pelas verdes montanhas do himalaia até chegar a enorme gruta.

A gruta, que é enorme por dentro (nós só tivemos acesso a parte onde ocorre as cerimonias), recebeu aos longos destes 3 mil anos algumas melhorias como energia elétrica, água, e alguma paredes de alvenaria.

 

Seguido pelos seus ajudantes, o Baba, chegou chegando!

Tinha dreadlock natural de alguns metros, enrolados no topo da cabeça. Sem muita cerimonia, nos levou para o alto da montanha fez uma fogueira, deu-nos uma deliciosa comida que consegui não identificar os ingredientes. Num frio de zero graus, fez inúmeras estripulias, pulou, dançou, tocou tambor, gritou, riu e.... mais nada... Não falou sobre a vida, nem sobre a morte, nada sobre nossa angústia nem sobre a alegria. Não deu conselhos, nada profetizou.

No ponto alto da madrugada o celular do Baba tocou e ele num Inglês perfeito disse: "alooouu daaaarling, estou na montanha com uns amigos", foi de gargalhar. Rimos, e ele também riu... Um Baba de uma linhagem antiga, que mora numa caverna e usa celular... após a cerimônia, voltamos para a caverna e dormimos todos, ao estilo indiano, no chão duro. Nós, os visitantes e mais umas 50 pessoas simples que moravam nas aldeias próximas e que, de alguma forma peregrinaram para assistir uma espécie de missa que o Baba fazia pela manhã.

 

 

 

 

 

Dalai Lama (Guru Budista)

Passei uns tempos em Dharamsala, terra do refugiado Lama e entendi, um pouco, sobre a sua luta por um Tibete livre. Tarefa difícil. O acaso me fez assistir uma série de palestras deste adorável senhor que iniciou-as pedindo ao público “respeito para com todas as religiões”. Movido pela curiosidade inscrevi-me numa espécie de curso ministrado pelo próprio Dalai Lama, em seu templo em Daramshala, norte da Índia. Ouvi muita coisa sobre que gostei, porem nesta ocasião, a maior parte do tempo, ele explicava termos específicos e técnicos do Budismo tibetano, ou coisas parecidas, o que tornou bastante chata as palestras. O clima dentro templo é muito bom, os budistas são calmos e alegres, as crianças (futuros monges) correm e gritam como qualquer outra.

 

 

Buddha

Fui apresentado às palavras de Buddha ao tomar parte de um retiro de meditação Vipassana, onde ficamos 10 dias em meditação.

Este homem nascido no Nepal, mas considerado indiano, viveu há 2500 anos e foi de tudo um pouco, psicólogo, filósofo, cientista quântico, músico, poeta, etc.

O que ele ensinou, pode ser resumido nas seguintes coisas:

- Tudo na vida é impermanente, seja bom ou seja ruim, um dia passa;

- Não podemos esticar o momento bom, nem encurtar o ruim;

- Deveríamos sentir as coisas como elas são e...só. Simples e preciso.

- Viver não tem sentido, viver é o sentido.

 

 

Butterfly Baba

(Guru na cidade de Hampi- Região central da India)

Conheci este guru vagando pelas pacatas ruas da cidade de Hampi, sul da Índia. Nada pregava, nada prescrevia, com ele nem física, nem metafísica.

Dizia frases incompreensíveis que terminavam com a recorrente sentença: “The butterflies are coming to Hampi!” (As borboletas estão vindo para Hampi). Tentei inutilmente, criar um contexto onde as benditas mariposas se encaixassem, não consegui. Entre uma coisa e outra ele bebia sua garrafa de destilado e fumava o seu cachimbo. Apenas posso dizer que era uma alegre figura.

 

 

Cesar (Guru de Visconde de Mauá)

Se me perguntassem qual destes eu mais gostei, não saberia responder, pois cada um, o seu jeito, tem um pouco das respostas para as perguntas que nós, nos fazemos.

Posso dizer que fiquei tocado pela beleza das cerimonias “milagrosas’, que fui atravessado pela a música de alguns, que vi coerência nas palavras de sicrano, que ri da irreverência de beltrano, e que bebi da poesia embutida nas reflexões de fulano.

Mas, se eu tivesse de escolher um Guru, eu não hesitaria em escolher um outro, milhares de quilômetros distante destes daqui.

O eleito, um brasileiro chamado “Seu Cesar”.

Este elegante senhor, uma mistura de Luiz Melodia com Seu Jorge, não usa turbante, não faz “satsangs”, não dá tapas nas costas, não canta mantras, mas que carrega em si a capacidade de entender a brincadeira que esta coisa chamada vida é.

Proprietário de um restaurante chamado “Jeca Tatu”, no Vilarejo de Maromba (Visconde de Mauá- RJ), ele segue na prática, os preceitos de Buddha mesmo sem os declarar, talvez mesmo sem o saber.

Não se afeta com as adversidades da vida, trata todos com uma irradiante simpatia; tem uma calma inabalável; ouve antes de falar; e não se abala com as impermanências da vida; tem sempre, atrás do sorriso, uma palavra sabia e positiva para nos confortar.

Para que o entendam, cito uma situação que presenciei.

Um cliente não tinha como pagar a conta, pois não tinha dinheiro, apenas cartão.

"Deposita na minha conta!", disse ele tranquilo.

O gajo, tão surpreso, quanto eu, anotou a conta num papel que guardou meticulosamente antes de sair.

Perguntei-lhe se temia tomar um calote.

"Não... O cara vai depositar", disse com a certeza de um profeta.

"Tem certeza?", cutuquei-o com o tridente da dúvida.

"Absoluta!", respondeu mostrando confiança em cada sílaba pronunciada.

"Nunca te deram calote?", provoquei.

"Não que eu lembre... ou saiba... É que eu nunca confiro direito se depositaram ou não!"

"Mas... e se o cara não depositar?... Você não vai saber....", eu disse.

“Não vou saber, nem vou sofrer”! arrematou filosoficamente.

"Pense comigo”, acrescentou, “Se o caboclo depositar, o dinheiro vai estar lá, pronto."

"Sim...", disse eu, ainda abestalhado e tentando entender a lógica cesariana.

"Se o cara não depositar, o dinheiro não estará na conta, porém eu não saberei, logo isto não me incomodará."

Genial! Este é o César!

Dizem que Buddha renasce de tempos em tempos, pergunto-me se o César não seria o Buddha brasileiro.

Vale a pena conferir este iluminado e simples homem.

Quem o conhece, que emita a sua opinião, quem não o conhece, apareça pelas bandas de Visconde de Mauá, praça da Maromba s/n.

Na pior das hipóteses, vai desfrutar de seus maravilhosos licores de cachaça; na melhor das hipóteses, vai degustar de seu humor em dois dedinhos de prosa!

Namastê, Salve, Salve, Hare Hare, Wahre, Hopkunká, Jurley, Amém para os gurus do mundo e Axé para o nosso iluminado Jeca Tatu!

 

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